Lita Cerqueira
Fotógrafa soteropolitana interpreta o cotidiano em fotografias feitas na Bahia e pelo mundo ao longo dos seus mais de 40 anos de carreira.
Foto de Luiz Rosemberg Filho – Paris, 1986
Lita Cerqueira (1952) é fotógrafa brasileira, nascida em Salvador mora entre Bahia e Rio de Janeiro. Reconhecida por registrar a cultura negra brasileira, sua produção desponta aos 19 anos como fotógrafa autodidata. Trabalhou em laboratórios de revelação e fotografias para imprensa a partir dos anos 1970. Mostra os diversos temas entre pessoas, cenários, retratos e o cinema, além de ter registrado e convivido com o movimento que hoje conhecemos como Tropicália, e artistas como Gilberto Gil, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gal Costa.
Trabalhou no cinema como fotógrafa de cena e algumas películas como atriz, ao lado de diretores como Glauber Rocha, Neville de Almeida, Nelson Pereira dos Santos, entre outros. O reconhecimento profissional veio a partir da exposição “Festas Populares da Bahia e Arquitetura no Centro Histórico de Salvador”, em 1976.
Lita participou da #20 edição da Revista Zoom / Instituto Moreira Salles (2021) e é artista representada pelo Ricardo Fernandes Gallery, em Paris. Participou de exposiçõoes individuais, como a “A Fotografia como Eu Sou” na Pinacoteca de São Paulo, e na França em 2012, além de coletivas na Itália, Alemanha e Estados Unidos.
Ao longo desses quase 50 anos de carreira, suas fotografias foram publicadas em livros, revistas, capas e encartes de discos como “Bahia aux Sertões: 1939 a 1950”, da coleção “Brésil, les Chants de la Mère et de la Terre” (2006) e contracapa de “Cores e Nomes” de Caetano Veloso (1982).
TRAJETÓRIA
1976 – Primeira exposição “Festas Populares da Bahia e Arquitetura” no Centro Histórico de Salvador.
1986 – Exposição no restaurante brasileiro Dona Flor / Paris / França.
1993 – Lançou “Lita Cerqueira Cartões Postais” – coleção de postais fotográficos, inicialmente apenas com fotografias preto e branco, que se tornou sua marca. São espalhados por cidades no Brasil, França e Alemanha.
1997 – Representante do Estado da Bahia no VIVA BAHIA! – Sociedade Afro-Americana do Patrimônio – Mostra “Postcards from Bahia” promovido pela Africain American Heritage Society no Evening of the Humanities – Pensacola Cultural Center / Flórida / EUA (1997).
2000 – “A Redescoberta do Corpo e Alma Negros do Brasil 500” – Fundação Bienal São Paulo / Parque do Ibirapuera São Paulo.
2000 – Coletiva “Brasil +500 Mostra do Redescobrimento Negro de Corpo e Alma” – sob curadoria de Emanoel Araújo – Fundação Casa França Brasil / Rio de Janeiro.
2003 – Fotógrafa oficial da Lavagem da Madeleine Staircase de Paris / França.
2003 – Fotógrafa convidada da Lavagem das Escadarias da Église de la Madelaine, organizado por brasileiros, em Paris. Em junho.
2003 – Participação no Festival de Música e Arte, patrocinada pela Secretaria de Cultura do condado de Androrra, na cordilheira dos Pireneus, na Europa.2003 – Participou da exposição “Bielefeld” com fotografias expostas por ruas e bares da cidade alemã honônima – Bielefeld/ Alemanha.
2004 – Aquisição de Lita Cerqueira pelo Acervo Museu Afro-Brasileiro – Parque Ibirapuera, São Paulo.
2006 – Exposição de fotos no restaurante Favela Chic, em Paris.
2008 – “Cosmopolita, Retrospectiva Lita Cerqueira” – Centro Cultural Correios Salvador / Bahia.
2009 – Retrospectiva “A Fotografia Como Eu Sou” sob curadoria de Diógenes Moura – Pinacoteca de São Paulo / São Paulo.
2010 – Retrostectiva “A Fotografia Como Eu Sou” – Oi Futuro Flamengo / Rio de Janeiro.
2012 – Indivdual “La Photographie Telle que Je Suis” – Galeria Ricardo Fernandes / Paris.
2015 – Exposição coletiva “A Arte da Lembrança – A Saudade na Fotografia Brasileira” – Itaú Cultural / São Paulo.
ACERVOS & COLEÇÕES
Instituto Antonio Carlos Jobim – Rio de Janeiro (www.jobim.org)
Museu Afro Brasil – São Paulo (www.museuafro.com)
PUBLICAÇÕES
Livro “Songbooks – Almir Chediak” – Editora Lumiar – Caetano Veloso (1987); Gilberto Gil (1989); Bossa Nova (1989); Cazuza (1990)
Livro “Compact de Kassav” de Philippe Conrath – Paris: Éditions Segher (1987).
“Antologia da Fotografia Africana e do Oceano Índico” de Emanuel Araújo e André Joly (org.) Paris: Revue Noire (1998).
“Só as mães são felizes: Cazuza – Lucinha Araújo em depoimento a Regina Echeverria”. Rio de Janeiro: Editora Globo (1997).
“Todas as Letras de Gilberto Gil” – Carlos Rennó (Org.) São Paulo: Companhia das Letras, 1996 (1ª ed.) e 2003 (2ª ed.).
“60 anos de Gilberto Gil: todos os contos” – Bené Tonteles. Rio de Janeiro: GG Edições (2002)
“Areias Escaldantes” – Scarlet Moon de Chevalier – Rio de Janeiro: Editora Globo, (1999).
Os autores Shuma Schumaher & Érico Vital Brasil incluíram verbete Lita Cerqueira no livro “Mulheres Negras do Brasil” (2007) (Rio de Janeiro: Edições SENAC/ Redeh). Capítulo “Mãos que produzem arte”, verbete 886, p.462-463.
DISCOS
Sugere o nome “Realce” (1979) para disco de Gilberto Gil, lançado no mesmo ano. Veja o que diz a respeito do nome, o compositor e cantor, na ficha técnica de Unplugged, Warner Music (1994), onde Realce foi re-gravada.
Capa do álbum “De Bahia Aux Sertões: 1939 a 1950”, da coleção Brésil, les Chants de la Mère et de la Terre. Produção de Teça Calazans. Paris/França: Frémeaux & Associés, (Fevereiro 2006).
Foto contracapa do álbum “Cores e Nomes” (1982) de Caetano Veloso. Polygram.
TEXTOS
Autora de uma fotografia feita a partir dos seus próprios dias e do encontro que a imagem representou e representa em seu caminho desde a sua infância, nas ruas e ladeiras do bairro de Santo Antônio, irmão do Pelourinho, em Salvador, Lita Cerqueira é personagem do seu tempo. Autodidata, ganhou os olhos do mundo para construir um acervo desde a primeira metade da década de 1970, e nada em suas fotografias faz parte da “representação” que o mundo contemporâneo vem impondo às imagens. Quem olha para a sua câmera olha para ela, a mulher que está por trás daquele visor. É uma questão de sentidos. Esse fato simplifica a ideia mais original não apenas dos retratos: avança também puramente nas cenas da vida cotidiana, nas emoções e devaneios da fusão contida/incontida no gestural e nas manifestações da arte e religiosidade. Uma mulher que fotografa desde os tempos em que a imagem era quase uma “descoberta” para o mundo, em uma década que vivia o enlace entre paz e amor.
Personagem por dentro de sua própria criação, Lita Cerqueira passou raspando pelo Cinema Novo; levou seu “realce” para os dias e as noites tropicalistas em Arembepe (e só nós sabemos o que Arembepe significou em nossas vidas); foi atriz aos 17 anos, quando nenhuma atriz era atriz para aparecer na televisão. Isso tudo está em seus registros: aquele doce naco de loucura que com o passar do tempo fomos adaptando ao mundo parabólico. Ela também reserva muitas lembranças futuras para o seu ofício. Por exemplo: tem mania de fotografar figuras (anônimas ou não); cidades históricas ; o seu povo negro “atendido pela graça desatenta dos deuses em transe” como escreve Gilberto Gil […]. E assim os guarda em cartões postais que espalha pelas bancas de jornais e revistas em cidade brasileiras. E então sua “fotografia popular”, como ela diz, retorna para mãos de onde nunca saíram, simbologia também repetida pelo fotógrafos africanos que viveram ou vivem no Mali e no Bamako.
A exposição “A Fotografia como Eu Sou” surge de uma voz ao mesmo tempo firme e delicada. Como a voz da ancestralidade. Lita Cequeira aqui está desde o princípio. Dos tempos em que Salvador ainda não havia perdido sua memória. Sua arte é o que podemos chamar de uma arte de encontros: o jeito como vê a vida, como caminha pelas ruas, como fala com cada um de seus personagens. Ela sempre se coloca do lado do outro. Isso vem lá de trás: do Cinema Novo, das noites tropicalistas, da lua cheia em Arembepe, daquela voz ao mesmo tempo delicada e ancestral. Esse “gesto” personalize cada um das suas imagens. Cada retrato tem uma voz. Olhe bem. Uma fotografia não é a mesma quando a olhamos duas vezes. É como um livro aberto: pode mudar a cada instante.
Diógenes Moura
Curador de Fotografia.
Pinacoteca do Estado de São Paulo / 2010
“O que uma fotografia pode revelar será sempre resultado de um modo de olhar associado a um modo de ser. O modo de olhar é cultural, é social e é pessoal – o fotógrafo, o indivíduo na vida, no mundo — o modo de ser é o modo do ser, o milagre da impessoalidade ou da transpessoalidade; o que o fotógrafo não suspeitou captar; o que é visto para além da visão; o fotográfo fora de si, quiça em sua paranormalidade.
As fotos de Lita Cerqueira (É) são bem a resultante da sensibilidade de um olhar trabalhado na ânsia e na argúcia de um povo oprimido mas altivo e paciente; ao lado da dimensão mágica dessa civilização em processo, a quarta dimensão na vida das nações inspiradas como o Brasil.
Eu conheço bem essa confluência entre o desejo do artista tropical e a imprevisibilidade dos nossos deuses caprichosos. Eu sou um artista, como Lita, também negro e também da Bahia, e sei que suas fotos são um milagre do olho esquálido e atento atendido pela graça desatenta dos deuses em transe.”
Gilberto Gil
Cantor e Compositor